A legislação brasileira sobre licitações e contratos administrativos tem evoluído para garantir a segurança jurídica e a proteção dos direitos dos trabalhadores em contratos de prestação de serviços contínuos, especialmente aqueles que envolvem dedicação exclusiva de mão de obra. Um aspecto crucial desse processo é a exigência de garantias adequadas, como o seguro-garantia, que visa assegurar o cumprimento das obrigações contratuais, incluindo as verbas trabalhistas e previdenciárias. No entanto, surgem controvérsias jurídicas quando essas apólices incluem cláusulas que condicionam o pagamento dessas verbas ao trânsito em julgado de ações judiciais. Este texto analisa se tais cláusulas são compatíveis com a Lei nº 14.133/2021, com base na Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017 (IN nº 05/2017) e Circular SUSEP nº 622/2022 à luz da Lei nº 14.133/2021, com também qual deve ser a posição da Administração Pública sobre essa questão.
DESENVOLVIMENTO
Inicialmente cabe destacar que o seguro-garantia tem previsão no inciso LIV do art. 6º; art. 97 e inciso I, do § 3º, do art. 121 da Lei nº 14.133/2021, cujo objetivo é resguardar e assegurar o fiel cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo contratado, incluindo multas, prejuízos e indenizações decorrentes de inadimplemento, inclusive de contratações de prestação de serviço sem dedicação de mão de obra exclusiva. Nesse mesmo sentido é previsto no subitens 3.1 do anexo VII-F do IN nº 05/2017.
Ocorre que a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), por meio da Circular nº 622/2022, não obriga as seguradoras incluírem em suas apólices obrigações de cobrirem inadimplemento de verbas trabalhistas e previdenciárias, nos termos a IN nº 05/2017, tendo em vista as garantias constitucionais de livre pactuação contratual entre a seguradora e seus clientes. Diate disso, as seguradoras comercializam apólices com cláusulas que condicionam o reembolso das verbas trabalhistas e previdenciárias ao trânsito em julgado das ações judiciais. Essas cláusulas são questionáveis, pois causa embaraços às garantias dos trabalhadores e divergência entre os juristas. Por isso, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, por meio do Parecer SEI nº 2105/2023/MF, solicitou a Advocacia Geral da União uma parecer uniformizador sobre o tema.
Diante disso, em 14 de julho de 2024, mediante do PARECER n. 00036/2024/DECOR/CGU/AGU, esse órgão afirmou que não há ilegalidade nas apólices que condicione o pagamento do prêmio apenas com o trânsito e julgado das ações, como também não ver ilegalidade no ato da Administração Pública negar esse tipo de seguro seja nos contratos administrativos que versão sobre prestação de serviço continuados sem dedicação de mão de obra exclusiva, pois a Lei nº 14.133/2021 e a IN nº 05/2017 SEGE estabelecem diretrizes para a contratação pública, buscando assegurar a proteção dos direitos dos trabalhadores. Neste contexto, uma apólice de seguro-garantia que imponha a exigência de trânsito em julgado antes do pagamento das verbas devidas pode prejudicar tanto a administração pública quanto os trabalhadores, porque causa atraso no cumprimento de obrigações legais.
No mesmo sentido, não se deve olvidar o art. 22 da LINDB e o Art. 8º do Decreto nº 9.830/2019 exigem decisões equilibrada e prática para na interpretação das normas de gestão pública. As normas orientam os gestores a tomarem atitudes mais adaptada à realidade e eficiente, sem comprometer a justiça e a equidade na relação entre Administração Pública e seus administrados.
Por isso, a Administração Pública, em nome da proteção dos direitos dos trabalhadores, tem o direito de rejeitar apólices que contenham tais cláusulas, baseando-se nos princípios de conveniência e oportunidade. A decisão deve considerar o melhor interesse público, garantindo que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados e que a execução contratual ocorra de forma justa e eficiente. O parecer segue o entendimento da Procuradoria-Geral Federal reafirmando que essa cláusula específica não é compatível com as normas vigentes e que a administração pode rejeitar apólices que a incluam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, as cláusulas de seguro-garantia que condicionam o pagamento de verbas trabalhistas e previdenciárias ao trânsito em julgado de ações judiciais são incompatíveis com a Lei nº 14.133/2021 e a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 5, de 2017. O parecer da AGU legitima o poder da Administração Pública de rejeitar essas apólices, garantindo a proteção dos direitos dos trabalhadores e a eficiência na execução dos contratos públicos.